sábado, 18 de junho de 2011

Dinheiro público, futebol e a perna do meu pai.

Recentemente precisei dos serviços de saúde oferecidos pelo Estado quando meu pai foi diagnosticado com uma enfermidade relativamente grave na perna direita.
Como todo usuário do sistema de saúde e de qualquer outro serviço prestado pelo Estado, amarguei, acompanhando meu pai e com minha mãe a tiracolo, três horripilantes horas de espera, observando os mais variados quadros de descaso e abandono em relação à pessoa.
Salas de espera abarrotadas, corredores com pessoas passando mal, gritos, gemidos, pacientes com as mais variadas tragédias pessoais. Todas ali, desassistidas e entulhadas tal qual lixo humano.
Nenhum médico, atendente ou recepcionista para dar a mínima atenção ou informação. Uma pseudo-recepcionista, meio atendente meio porteira, era o único funcionário com alguma inclinação humanista e que, na melhor das boas intenções, corria de um lado para outro buscando orientações para auxiliar nas solicitações dos pacientes largados pelo chão.
Esse enredo de filme de terror aconteceu bem próximo à região agora "assistida e beneficiada" com o salvador dinheiro público vindo do BNDES e dos incentivos fiscais governamentais, empregados na construção de um estádio em Itaquera.
Estávamos todos nós sim, próximos a Itaquera, em um hospital sem médicos, atendimento, recepção, segurança. Estávamos todos nós lá, carentes de socorro profissional que não veio porque o dinheiro público, saído de nossos impostos, não chegou para suprir as carências.

Fico me perguntando o porque de tantas defesas animadas e viscerais quando toca-se no assunto de dinheiro público sendo empregado na construção do estádio de Itaquera, deslavada desculpa de investimento em área carente.
Fico me perguntando em quê estádio de futebol é mais importante que hospital. Me pergunto em que sociedade civilizada jogo de futebol é mais importante que médico, dentista, enfermeiro, professor ou bombeiro. Fico me indagando se os defensores de investimento de dinheiro público no Fielzão e nos outros 11 estádios para a Copa do Mundo no Brasil assistem aos noticiários. Não creio que sejam ignorantes quanto ao fato escabroso de termos pacientes sem atendimento morrendo em macas ou até quanto à realidade das ruas, cujos buracos sucessivos aos poucos destroem nossos caros automóveis brasileiros, pagos com caros impostos brasileiros. Não sei se desconhecem a realidade nua e cruel das periferias como Itaquera que, antes de qualquer coisa, precisa de investimentos em saúde, educação, habitação, segurança, trânsito; uma lista que some de vista.

A importância de uma Copa do Mundo para a economia de qualquer país não pode ser ignorada. A sociedade como um todo tende a se beneficiar com os reflexos posteriores de um evento de tal grandeza, mesmo que a divisão do bolo não seja equânime. Mas não podemos aceitar que o emprego de nosso dinheiro seja defendido com a falácia absurda de crescimento de área carente.

Meu pai foi extremamente mal atendido por um médico que mal olhou em seus olhos. Nem na perna. O diagnóstico foi dado ali, na sala, em menos de 1 minuto, sem exageros. E, aliás, essa é uma das reclamações que encabeçam a lista contra o mal atendimento médico nos meios públicos. E depois perguntam por que brasileiro se automedica.
Gastamos um bom dinheiro confiando no diagnóstico, mas a medicação se mostrou tão efetiva quanto água destilada.
Como o problema na perna piorou procuramos novamente o serviço de saúde oferecido pelo Estado, agora em outro hospital, mas também na região de Itaquera. Recebemos outro diagnóstico de olhômetro. Entretanto este demorou um pouquinho mais, cerca de 2 minutos. E mais remédio errado para a mesma doença errada. E, claro, mais dinheiro jogado fora.
Foi quando decidimos procurar um médico particular, de quem recebemos um diagnóstico totalmente diferente e que veio não antes de um cuidadoso exame clínico e de outro, laboratorial, também pago.
Confirmamos as suspeitas de diagnóstico e medicação incorretos.
Neste momento não será possível iniciar um tratamento pago, por isso recorremos novamente ao médico pago pelo Estado em um posto de saúde da região. De lá haverá um encaminhamento para outro hospital, melhor preparado, onde um profissional especialista possivelmente indicará uma cirurgia. Não tem data porque esse especialista é pago pelo SUS, ou seja, com dinheiro nosso, mas administrado pelo Estado.
Enquanto isso, há um estádio sendo construído em Itaquera com o dinheiro dos impostos que meu paga. Esses impostos são sacados diária e compulsoriamente, da hora em que ele acorda para trabalhar até o momento em que chega em casa e liga o chuveiro para descansar o corpo. E a perna, ainda dolorida.

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