sábado, 18 de junho de 2011

Dinheiro público, futebol e a perna do meu pai.

Recentemente precisei dos serviços de saúde oferecidos pelo Estado quando meu pai foi diagnosticado com uma enfermidade relativamente grave na perna direita.
Como todo usuário do sistema de saúde e de qualquer outro serviço prestado pelo Estado, amarguei, acompanhando meu pai e com minha mãe a tiracolo, três horripilantes horas de espera, observando os mais variados quadros de descaso e abandono em relação à pessoa.
Salas de espera abarrotadas, corredores com pessoas passando mal, gritos, gemidos, pacientes com as mais variadas tragédias pessoais. Todas ali, desassistidas e entulhadas tal qual lixo humano.
Nenhum médico, atendente ou recepcionista para dar a mínima atenção ou informação. Uma pseudo-recepcionista, meio atendente meio porteira, era o único funcionário com alguma inclinação humanista e que, na melhor das boas intenções, corria de um lado para outro buscando orientações para auxiliar nas solicitações dos pacientes largados pelo chão.
Esse enredo de filme de terror aconteceu bem próximo à região agora "assistida e beneficiada" com o salvador dinheiro público vindo do BNDES e dos incentivos fiscais governamentais, empregados na construção de um estádio em Itaquera.
Estávamos todos nós sim, próximos a Itaquera, em um hospital sem médicos, atendimento, recepção, segurança. Estávamos todos nós lá, carentes de socorro profissional que não veio porque o dinheiro público, saído de nossos impostos, não chegou para suprir as carências.

Fico me perguntando o porque de tantas defesas animadas e viscerais quando toca-se no assunto de dinheiro público sendo empregado na construção do estádio de Itaquera, deslavada desculpa de investimento em área carente.
Fico me perguntando em quê estádio de futebol é mais importante que hospital. Me pergunto em que sociedade civilizada jogo de futebol é mais importante que médico, dentista, enfermeiro, professor ou bombeiro. Fico me indagando se os defensores de investimento de dinheiro público no Fielzão e nos outros 11 estádios para a Copa do Mundo no Brasil assistem aos noticiários. Não creio que sejam ignorantes quanto ao fato escabroso de termos pacientes sem atendimento morrendo em macas ou até quanto à realidade das ruas, cujos buracos sucessivos aos poucos destroem nossos caros automóveis brasileiros, pagos com caros impostos brasileiros. Não sei se desconhecem a realidade nua e cruel das periferias como Itaquera que, antes de qualquer coisa, precisa de investimentos em saúde, educação, habitação, segurança, trânsito; uma lista que some de vista.

A importância de uma Copa do Mundo para a economia de qualquer país não pode ser ignorada. A sociedade como um todo tende a se beneficiar com os reflexos posteriores de um evento de tal grandeza, mesmo que a divisão do bolo não seja equânime. Mas não podemos aceitar que o emprego de nosso dinheiro seja defendido com a falácia absurda de crescimento de área carente.

Meu pai foi extremamente mal atendido por um médico que mal olhou em seus olhos. Nem na perna. O diagnóstico foi dado ali, na sala, em menos de 1 minuto, sem exageros. E, aliás, essa é uma das reclamações que encabeçam a lista contra o mal atendimento médico nos meios públicos. E depois perguntam por que brasileiro se automedica.
Gastamos um bom dinheiro confiando no diagnóstico, mas a medicação se mostrou tão efetiva quanto água destilada.
Como o problema na perna piorou procuramos novamente o serviço de saúde oferecido pelo Estado, agora em outro hospital, mas também na região de Itaquera. Recebemos outro diagnóstico de olhômetro. Entretanto este demorou um pouquinho mais, cerca de 2 minutos. E mais remédio errado para a mesma doença errada. E, claro, mais dinheiro jogado fora.
Foi quando decidimos procurar um médico particular, de quem recebemos um diagnóstico totalmente diferente e que veio não antes de um cuidadoso exame clínico e de outro, laboratorial, também pago.
Confirmamos as suspeitas de diagnóstico e medicação incorretos.
Neste momento não será possível iniciar um tratamento pago, por isso recorremos novamente ao médico pago pelo Estado em um posto de saúde da região. De lá haverá um encaminhamento para outro hospital, melhor preparado, onde um profissional especialista possivelmente indicará uma cirurgia. Não tem data porque esse especialista é pago pelo SUS, ou seja, com dinheiro nosso, mas administrado pelo Estado.
Enquanto isso, há um estádio sendo construído em Itaquera com o dinheiro dos impostos que meu paga. Esses impostos são sacados diária e compulsoriamente, da hora em que ele acorda para trabalhar até o momento em que chega em casa e liga o chuveiro para descansar o corpo. E a perna, ainda dolorida.

domingo, 1 de agosto de 2010

Você se sente politicamente representado?

Se você fosse um morador da Grécia por volta de, digamos, 500 anos a.C., veria o nascimento e desenvolvimento da política como percebemos hoje o nascimento e o crescimento da internet. A noção era a de algo que não havia e passou a existir, embora de forma mais lenta que o advento da informática.

Quem lida com computadores nos dias de hoje recebe de bandeja novidades todos os dias. Os gregos seriam pegos, assim , de surpresa, a cada década, por novidades no campo político que revolucionavam o modo de ser um cidadão da pólis, as cidades-estado helenas.

Hoje, entretanto, a maneira com a qual se faz política ficou tão velha e desgastada quanto as ruínas da atual Atenas. Os ingredientes que funcionavam na receita de 2500 anos atrás hoje levedam a massa. Se os gregos arcaicos sentiam-se representados por seus governantes, hoje o cidadão comum, forçado a votar na "festa da democracia brasileira" não passa de massa de manobra para um sistema viciado, inchado, velho, ultrapassado, moroso e que não representa o eleitor.

Temos que ter em mente que não votar ou votar em branco faz parte da democracia. É exercer o direito de não querer ser forçado a sair de casa para colocar no poder um cidadão absolutamente desconhecido e que usa dos mais variados artifícios para compor uma personagem política fictícia. Como sentir-se representado por alguém ou por um grupo de indivíduos que manipulam todas as ferramentas do Estado capazes de encobrir não pequenos rastros, mas verdadeiras estradas lotadas de pistas, evidências e marcas de falcatruas realizadas?

O modelo democrático nascido diante das necessidades de cidadelas como as gregas tornou-se insuficiente. Não é possível fiscalizar o político pelo simples fato da logística da coisa. O mais perto que se chega dessa dita "fiscalização" é o acompanhamento da vida do candidato pela mídia, as manifestações não ouvidas das ruas e o voto. Mas o voto é algo tão individual, tão subjetivo, que tornou-se a mais poderosa ferramenta de manutenção de regalias já inventada.

Amor não existe

Brinco com alguns amigos dizendo que o amor não existe.
Dúvidas? Então vamos pensar um pouco:

1 - As sensações percebidas por qualquer ser vivo consciente são provocadas por descargas químicas e elétricas originadas no cérebro. A vontade de estar junto, por exemplo, as palpitações, o aumento na temperatura corporal, a aceleração do ritmo cardíaco, o êxtase no ápice da cópula, o sentimento da ausência em relação à pessoa "amada", todas essas sensações, junto com outras que você conhece e até mesmo mais algumas que ainda não percebeu são meras reações físicas provocadas em um organismo vivo que aprendeu a reagir com o meio para sobreviver.

2 - O prazer de estar junto é seu e a luta para não se ver privado deste prazer é um combate egoísta com o único objetivo de te preservar do sofrimento. Você luta por ele, mas por sua causa. Você não quer perder a pessoa "amada" porque quem vai sofrer é você; você está preocupado com o SEU desprazer em não estar junto de quem gosta. Esse "amor" é, de certa forma, egoísta, porque você lutará de forma incessante para não ser privado do prazer de estar junto de quem gosta. O foco desse "amor" não é o outro, mas você.

3 - O casamento, convenção social aceita pela maioria esmagadora e considerado poeticamente como a afirmação máxima do amor entre duas pessoas, pode ser destrinchado em uma série de particularidades que o compõem. São elas: a necessidade de inserção nos ritos e costumes socialmente aceitos; a satisfação à sociedade em relação à expectativa sobre o casal; a fuga da solidão; o despreparo em viver só quando aprendemos desde cedo a viver em comunidade; insegurança, entre outros.

4 - O romantismo é uma invenção social dos últimos duzentos anos, pelo menos. Para contrapor o século das luzes, período no qual a razão ganhou importância sobre a emoção, a humanidade praticamente inventou o amor romântico. Essa invenção provou ser terra fértil para a germinação do romantismo idealizado do cinema, da literatura, das artes, da comunicação em massa etc.

A banda larga cerebral de Eistein

Saiu na Veja desta semana que o físico alemão Albert Einstein tinha uma espécie de banda larga nas conexões neurais.

Na matéria "Quando os Mortos Falam", de Alexandre Salvador e Carolina Romanini, foram destacados os métodos modernos de pesquisa em tecidos mortos, uma espécie de CSI do passado.

Descobriu-se que Galileu rangia os dentes e tinha refluxo, que o faraó-menino Tutancâmon morreu por uma variedade virulenta de malária e por uma série de outras doenças causadas pelas relações incestuosas de seus antepassados e que o cérebro de Einstein é especial.

Uma das possíveis explicações para a genialidade do físico alemão seriam as altas velocidades de suas conexões entre os neurônios. Mas seria possível aventar tal hipótese? Sim, seu cérebro está preservado em álcool, e foi objeto de estudos e também de admiração.

A banda larga de Einstein tornou seu cérebro privilegiado. Talvez não seja o único fator responsável por sua grande inteligência, mas pode ser uma explicação plausível. E aí perguntamos, é possível exercitar o cérebro?

Quando alguém quer ficar fortão, vai levantar peso na academia. Treinar o corpo trás resultados visíveis: aumento de massa muscular, da capacidade cardio-respiratória (ou cardiorrespiratória, na nova gramática), da resistência etc. Quando alguém quer ter um melhor desempenho cerebral e, consequentemente, melhorar a percepção, o raciocínio, a tomada de decisões, a adaptação às mudanças etc., a melhor forma é a ginástica cerebral. Como escovar os dentes com a outra mão (para quem não for ambidestro).

Há inúmeras pesquisas de neurociência que indicam ser possível dar mais agilidade, flexibilidade, força e equilíbrio ao cérebro através de exercícios específicos. "Lawrence C. Katz e Manning Rubin desenvolveram estudos sobre a neuróbica, um programa de exercícios para ativar os circuitos neurais e estimular a produção de nutrientes que desenvolvem os neurônios..." (fonte Ne Oliveira, Psicóloga).

Procure sobre o assunto na internet e mova-se.

domingo, 2 de maio de 2010

O mundo e "o mundo"

Quantos mundos existem? Depende, mesmo porque a definição de mundo é bastante variada. Creio mesmo que não dá para encontrar uma definição correta, concreta, porque há vários mundos.

Aqueles que perscrutam áreas inexploradas do Universo o fazem com a intenção de encontrar outros "mundos", habitados ou não, seja com vida inteligente ou não. E posso arriscar, leigo que sou, que há diversos e variados mundos dentro de cada um de nós e para cada atividade ou situação um deles nos vale.

O texto abaixo é resultado de uma sadia discussão com um grande amigo, o Eduardo. Por sua sugestão posto aqui um e-mail que enviei para ele em resposta a uma definição metafórica que ele deu para a Igreja.

Segue:


Caro amigo Eduardo,

Eu entendo seu ponto de vista e concordo com ele. É mais uma das formas didáticas de explicar um pouco o que é a igreja, sua natureza e para quê ela serve.

Entretanto o texto do blog tinha o objetivo de confrontar dois “mundos diferentes”.

Falam que o mundo é “O mundo”, secular, separado da igreja, uma espécie de lugar com pessoas de “outra espécie”, também separadas, seculares e “DO mundo”.

Em contraste, “O mundo” da igreja seria diferente. Uma realidade de pessoas diferentes, separadas também mas com um propósito diferente. Um lugar de seres especiais e privilegiados que não “se misturam” com o mundo lá de fora.

O mundo da igreja está em oposição em relação ao mundo “lá fora”. Os de dentro não se vêem como iguais aos de fora. Uma barreira enorme de ignorância levantou-se entre esses dois mundos e um não conhece o outro direito. Fica cada um do seu lado, lançam olhares desconfiados e, vez por outra, fazem ataques mútuos. Os de dentro e os de fora julgam-se diferentes, quando na verdade são iguais. São homens, mulheres, crianças, jovens, adolescentes, velhos. Têm um país, uma cultura, uma língua. Trabalham, estudam, nascem, ficam doentes, morrem. Têm vícios e virtudes. Fazem coisas certas e cometem muitos erros. Mas acreditam que são diferentes e isso se dá porque não se conhecem. E não se conhecem porque fica cada um do seu lado alimentando preconceitos e ódios.

O show do rock, no texto, é uma metáfora de “O mundo”. A igreja do texto não é metáfora, é a realidade que eu e você conhecemos bem.

Fiz a crítica unilateral, do mundo para a igreja, mas ela serve muito bem no sentido contrário também.

De fora para dentro: é o que eu disse. Muita gente na igreja aponta o dedo acusatório em direção ao “mundo exterior” e não se dá conta que lá dentro há EXATAMENTE o mesmo tipo de comportamento. É a velha anedota do macaco que senta sobre seu rabo para falar mal do rabo do vizinho.

De dentro para fora: Os "incrédulos" discriminam os religiosos, os crentes, mas não conhecem a verdadeira essência da fé, da relação homem-Deus, o verdadeiro sentido da religião – do religare. Também sentam-se sobre seus rabos e falam mal do rabo alheio.

A carapuça serve para ambos os lados e o que eu defendo nas entrelinhas do texto é a desmistificação da religiosidade para que o crente pare de se comportar como um ser "superespecial-cheiodepoderes-queridinhodeDeus-perfeito-quenãofaznadaerradonunca" e comece a entender o que o Raul Seixas diz em sua letra de “Ouro de Tolo”:

“É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...”

(Baixe a música que é muita engraçada, além de contar certas verdades)

Minha proposta, explícita no texto, é que a igreja entenda melhor sua natureza humana e pare de viajar na maionese achando que vive em uma redoma. Que ela compreenda que está cheia das coisas podres que existem lá fora, que essa podridão a acompanha desde o início de sua História e que tal fato a torna, sobretudo, humana. Tão humana quanto sua cara-metade “lá fora”.

domingo, 14 de março de 2010

A igreja e um show de Rock

O show da banda norteamericana Guns N Roses me ensinou muitas coisas. A mais importante é o fato de que um grupo de pessoas, tenha o tamanho que for, pode viver e conviver em harmonia se compartilharem da mesma paixão.

No último sábado passei 10 horas com pessoas que nunca vi. Elas tinham todas as idades, desde menores de 12 até os vovôs e vovós passando de seus 60. Muitos, roqueiros vestidos a caráter, comportavam-se qual criancinhas a conhecer a praia na primeira vez com uma efusão de sentimentos bons. Outros tantos subiam as arquibancadas e assentavam-se devagarzinho, olhando tudo, boquiabertos, meio rindo, meio bobos, não conseguindo acreditar onde estavam nem para o quê estavam. Vi essa fisionomia em garotões e garotonas com mais de 50. Uma moça do nosso lado passou todas essas horas sozinha, sem ninguém, e curtiu cada momento do espetáculo da melhor maneira que pôde. Não foi importunada, não foi cantada, não a ofenderam. O clima era de regozijo, parecia uma igreja.

Quando deixei a igreja no final de 2007 percebi reações de pesar, preocupação e decepção. Muitos simplesmente ignoraram. Mas uma das preocupações mais comuns e mais infundadas basea-se na crença de que deixei o "Reino de Deus" para ir para "o mundo". Como ovelha perdida, desgarrada, negra, estou fadado a vagar pelo "Vale da sombra da morte" até "me arrepender" e regressar como o filho esbanjador.

Neste sábado partilhei do "mundo". E lá encontrei - quem diria! - pessoas normais, daquele tipo que faz coisas normais.

Não encontrei pessoas piores que qualquer membro de igreja que canta, ora e toma a ceia com semblante contrito e que é repentinamente acometido de uma providencial amnésia quando passa pela porta do "templo" ao término do "culto" , entregando-se aos mais coloridos devaneios e conversas putrefatas nos porões de suas consciências.

Quem dera a igreja fosse do mundo. Assim saberia como é viver de forma transparente. Assim ela não se esconderia em sua pseudo santidade que funciona só entre quatro paredes (e muitas vezes nem dentro delas).

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Histórias de Paranapiacaba

Uma visita noturna ao cemitério

Em um dos acampamentos que fiz resolvemos dar umas voltas à noite.

Passear à noite pela mata em Paranapiacaba sempre foi uma tarefa que se fazia em bando. Ninguém tinha coragem de andar por lá sozinho. Tínhamos aquele medo meio irracional, medo que sabe da inexistência de qualquer tipo de ameaça que não fosse de carne e osso. Assim mesmo as expedições noturnas só ocorriam com turmas de cinco, dez pessoas, daí para mais.

Tudo aconteceu em uma das noites em que resolvemos passear não nas matas, nas trilhas ou tomando banho de cachoeira sob a luz do luar. Foi uma volta que resolvemos dar pela própria vila de Paranapiacaba, no cemitério da região.

O cemitério de Paranapiacaba é como qualquer outro que se pode encontrar em localidades pequenas. Lá tem moradores enterrados, claro, cada qual com sua história que, necessariamente, entrelaça-se com as histórias de outros moradores e com a história da própria região. O cemitério era assim quando o vimos de dia. Um cemitério e só. À noite, porém, ele mergulhava em uma atmosfera sinistra, embora pacificante. As lápides gélidas faziam coro com nossas espinhas - mesma temperatura. Embora fôssemos um grupo composto por rapazes modernos, daquele tipo que não acredita em assombrações, sempre ficava aquela pontinha de desconfiança se realmente não haveria um par de olhos espreitando nossos movimentos.

E assim caminhamos alguns minutos dentro do sagrado lugar de descanso para aqueles que já se foram. O passeio terminou com um pulo pelo muro do cemitério. Lembrei daquela brincadeira que conheço como "mãe da mula", onde pulamos os colegas. Numa destas, na porta de casa, minha irmã quebrou um dente, coitada.

Pois bem, na hora de se despedir das tumbas resolvemos picar a mula não pelo portão, mas pulando o muro que dá para a frente, próximo ao ponto de ônibus. E, por mais curioso que possa parecer, o momento foi tenso. Ninguém admitiu, mas ninguém queria ficar para trás, mesmo porque já passava da meia-noite.

Pulamos o muro, um a um, um, dois, três-quatro, cinco... seis... cena que não deve nada à thriller de Michael Jackson, tudo emoldurado pela neblina densa e pelas roupas pesadas e escuras muito comuns em acampamento.

Tenho pena do casal no fusquinha que saiu em disparada. Até hoje tenho a impressão que interrompemos alguma coisa importante.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Contar carneirinhos não ajuda a pegar no sono, segundo cientistas

Por Anahad O'Connor
The New York Times

Qual sua dica para dormir melhor?


A afirmação

Contar carneirinhos ajuda a cair no sono.

Os fatos

O motivo pelo qual as pessoas contam carneirinhos, em vez de passarinhos ou veleiros, é incerto; algumas autoridades acham que isso pode ter a ver com um sistema de cálculo criado por pastores na antiga Bretanha.

Porém, não há dúvidas que a frase se incorporou à linguagem. E seu significado é bem claro – a monotonia da tarefa deveria embalar seu sono.

Mas será que funciona? Cientistas da Universidade de Oxford fizeram o teste. Em seu estudo, que aparece no jornal Behavior Research and Therapy, dois pesquisadores recrutaram pessoas que sofrem de insônia e as separaram em dois grupos. Depois as monitoraram enquanto as pessoas tentavam técnicas diferentes para adormecer em várias noites.

Os pesquisadores descobriram que os participantes demoravam um pouco mais para adormecer nas noites em que foram instruídos a se distrair contando carneirinhos ou não receberam instrução alguma. No entanto, quando os participantes foram instruídos a imaginar um cenário relaxante – uma praia, por exemplo –, eles adormeceram em média 20 minutos antes do que em outras noites. Contar carneirinhos, como sugeriram os cientistas, pode simplesmente ser algo tedioso demais para se fazer por muito tempo, enquanto imagens de uma orla tranquila ou uma corrente de água serena são algo atraente o suficiente para nos mantermos concentrados.

Em outros estudos de Oxford, cientistas compararam pessoas que dormem “bem” com pessoas que sofrem de insônia, e encontraram diferenças em seus pensamentos antes do adormecer. Os que sofrem de insônia vislumbravam menos cenários de qualquer tipo e tinham mais pensamentos sobre imagens desagradáveis, preocupações, barulho no ambiente, “relações íntimas” e coisas que fizeram durante o dia.

Conclusão
Não conte carneirinhos para pegar no sono. Em vez disso, tente imaginar cenas relaxantes.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Trabalhar e sofrer, por Lya Luft

"O trabalho enobrece" é uma dessas frases feitas que a gente repete sem refletir no que significam, feito reza automatizada. Outra é "A quem Deus ama, ele faz sofrer", que fala de uma divindade cruel, fria, que não mereceria uma vela acesa sequer. Sinto muito: nem sempre trabalhar nos torna mais nobres, nem sempre a dor nos deixa mais justos, mais generosos. O tempo para contemplação da arte e da natureza, ou curtição dos afetos, por exemplo, deve enobrecer bem mais. Ser feliz, viver com alguma harmonia, há de nos tornar melhores do que a desgraça. A ilusão de que o trabalho e o sofrimento nos aperfeiçoam é uma ideia que deve ser reavaliada e certamente desmascarada.

O trabalho tem de ser o primeiro dos nossos valores, nos ensinaram, colocando à nossa frente cartazes pintados que impedem que a gente enxergue além disso. Eu prefiro a velha dama esquecida num canto feito uma mala furada, que se chama ética. Palavra refinada para dizer o que está ao alcance de qualquer um de nós: decência. Prefiro, ao mito do trabalho como única salvação, e da dor como cursinho de aperfeiçoamento pessoal, a realidade possível dos amores e dos valores que nos tornariam mais humanos. Para que se trabalhe com mais força e ímpeto e se viva com mais esperança.

O trabalho que dá valor ao ser humano e algum sentido à vida pode, por outro lado, deformar e destruir. O desprezo pela alegria e pelo lazer espalha-se entre muitos de nossos conceitos, e nos sentimos culpados se não estamos em atividade, na cultura do corre-corre e da competência pela competência, do poder pelo poder, por mais tolo que ele seja.

Assim como o sofrimento pode nos tornar amargos e até emocionalmente estéreis, o trabalho pode aviltar, humilhar, explorar e solapar qualquer dignidade, roubar nosso tempo, saúde e possibilidade de crescimento. Na verdade, o que enobrece é a responsabilidade que os deveres, incluindo os de trabalho, trazem consigo. O que nos pode tornar mais bondosos e tolerantes, eventualmente, nasce do sofrimento suportado com dignidade, quem sabe com estoicismo. Mas um ser humano decente é resultado de muito mais que isso: de genética, da família, da sociedade em que está inserido, da sorte ou do azar, e de escolhas pessoais (essas a gente costuma esquecer: queixar-se é tão mais fácil).

Quanto tempo o meu trabalho – se é que temos escolha, pois a maioria de nós dá graças a Deus se consegue trabalhar por um salário vil – me permite para lazer, ou o que eu de verdade quero, se é que paro para refletir sobre isso? Quanto tempo eu me dou para viver? Quanto sobra para meu crescimento pessoal, para tentar observar o mundo e descobrir meu lugar nele, por menor que seja, ou para entender minha cultura e minha gente, para amar minha família?

E, se o luxo desse tempo existe, eu o emprego para ser, para viver, ou para correr atrás de mais um trabalho a fim de pagar dívidas nem sempre necessárias? Ou apenas não me sinto bem ficando sem atividade, tenho de me agitar sem vontade, rir sem alegria, gritar sem entusiasmo, correr na esteira além do indispensável para me manter sadio, vagar pelos shoppings quando nada tenho a fazer ali e já comprei todo o possível – muito mais do que preciso, no maior número de prestações que me ofereceram? E, quando tenho momentos de alegria, curto isso ou me preocupo: algo deve estar errado?

Servos de uma culpa generalizada, fabricamos caprichosamente cada elo do círculo infernal da nossa infelicidade e alienação. Essas frases feitas, das quais aqui citei só duas, podem parecer banais. Até rimos delas, quando alguém nos leva a refletir a respeito. Mas na verdade são instrumento de dominação de mentes: sofra e não se queixe, não se poupe, não se dê folga, mate-se trabalhando, seja humilde, seja pobre, sofrer é nosso destino, darás à luz com dor – e todo o resto da tola e desumana lavagem cerebral de muitos séculos, que a gente em geral nem questiona mais.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A mensagem abaixo é fruto de reflexões da data que mais nos incita a refletir. O Natal.

A galera da faculdade vai mandando as felicitações de Natal com aquela famosa e velha rasgação de seda. E vamos respondendo e, de repente, surgem algumas coisas legais. A mensagem abaixo respondi para a Galera depois que o Paulo confessou, meio sonhador, meio velho como eu, que o Natal deveria acontecer nos 365 dias do ano. Assim, segundo ele "as pessoas ficariam mais solidárias, afetivas, generosas, pacientes. Nenhuma pessoa carente passaria fome, e metade da população de São Paulo iria para o litoral, diminuindo os congestionamentos na cidade".

Respondi o que segue:

Já que até "Feliz Natal" rende discussões, aqui vai mais uma.

Se houver Natal 365 dias por ano certamente teremos melhoras em alguns pontos. Todo mundo no litoral seria o melhor, sem dúvida. Menos para quem mora lá. Para os donos de mercado seria bom sim. Para a Sabesp nem tanto.

Natal 365 dias por ano sensibilizaria mais as pessoas, mas depois a sensibilidade viraria, digamos, como minha mãe já dizia, "carne de vaca", coisa comum. Então a melhoria teria os dias contados, seria por pouco tempo. O comércio sim, estaria rindo à toa, mesmo porque sabemos que o Natal - e todas as outras datas festivas, até as particulares como aniversário - são datas comerciais. Aquela velha história de tudo pelo, através de e para o capitalismo (não selvagem, mas civilizado, muito civilizado, moderno e atual).

Natal todos os dias do ano significaria também o nascimento de Cristo todos os dias. Filosofando um pouco na linha dos religiosos de plantão seria uma boa. Cristo nascendo todos os dias nos corações das pessoas é a utopia mais bonita que já sonharam e tal cenário é pregado em todos os cartões de Natal e spams que recebemos em Dezembro. Mas pensando bem seria difícil convencer, literalmente, um Jesus Cristo nascendo todos os dias. Teríamos que arrumar outros salvadores, aí a igreja não ia deixar.

Mas para uma pessoa o Natal 365 dias por ano não faz sentido e significaria trabalho não dobrado, mas multiplicado por 365: o "Papai Noel". Tadinho do velhinho.

Fernando.

sábado, 24 de outubro de 2009

Coisas que você não sabe sobre o corpo humano

- A comida leva sete segundos para ir da boca ao estômago.
- Um fio de cabelo suporta o peso de 3 kg.
- O tamanho médio do pênis é três vezes o comprimento do polegar.
- O fêmur é mais forte que concreto.
- O coração da mulher bate mais rápido que o do homem.
- Existem aproximadamente um trilhão de bactérias em cada pé.
- As mulheres piscam duas vezes mais que os homens.
- O peso médio da pele é duas vezes maior que o do cérebro.
- Seu corpo utiliza mais de 300 músculos para manter o equilíbrio quando está parado em pé.
- Se a saliva não consegue dissolver algo, não se consegue sentir seu sabor.
- As mulheres que estão lendo este texto já terminaram.
- Os homens ainda estão ocupados medindo seus polegares…

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

16 modalidades no Rio 2016

Tiro ao helicóptero

100 metros rasos para fugir do arrastão

50 metros nado livre atravessando o Piscinão de Ramos sem pegar umas bactérias

Futebol com cabeça de quem deve cocaína

Arremesso de dardo ao trombadinha que está correndo com sua bolsa

Judô com o ladrão

Levantamento de peso (1000 kg de maconha apreendida)

Arremesso de granada

Ginástica rítmica com algemas

Tênis de mesa com as denúncias de superfaturamento

Beisebol no vidro do carro

Ginástica rítmica esquivando-se das balas

Nado sincronizado: um aponta a arma, o resto levanta as mãos ao mesmo tempo

31 coisas que NÃO SE FAZ!

Pegar ônibus, metrô ou trem com mochila nas costas
Errar o portão e entrar na torcida adversária com o uniforme do seu time
Dar bolacha pra criança antes do jantar
Almoçar ou jantar ingerindo líquido
Beber e dirigir
Dirigir depois de beber
Contar piada em velório
Mandar um monte de cópia pra galera da faculdade como sua parte do trabalho
Fazer barulho no corredor do prédio
Fumar na frente de crianças
Fumar em lugares fechados
Fumar em lugares abertos
Fumar
Levar o cachorro para passear e não recolher o cocô dele
Acentuar a palavra coco
Fingir que está dormindo para não dar lugar pros velhinhos
Fazer bancos azuis para os gordinhos
Dar tapa no monitor quando o que não funciona é a CPU
Dar banho no cachorro quando estiver frio
Enfiar o dedo no bolo em aniversário
Ainda em aniversário, pegar mais uma coxinha com outra na boca
Dormir sem escovar os dentes
Enfiar o dedo no nariz em público
Lavar roupas coloridas e brancas de uma só vez
Cortar os bigodes do gato
Comprar tênis falsificado
Tomar remédio para emagrecer
Ir ao médico só para pegar atestado
Colar
Ser pego colando
Ficar lendo essas bobagens na hora do expediente

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Valores e valores

Houve um tempo em que ganhar dinheiro se dava através do trabalho honesto e suado. A própria Bíblia, segundo quem crê, tem diversos trechos que narram a labuta diária, semanal, mensal, anual e traça regras, estabelece datas festivas, estipula valores de pagamento e coloca algumas punições, tudo em torno do mesmo tema, o trabalho.

Eu nasci em uma época em que todo mundo dizia que era necessário estudar muito para conseguir um bom emprego e ser um cidadão respeitável, cumpridor dos deveres. Há, ainda, a sobrevivência daquela mentalidade um tanto arcaica que prega os valores do homem como o mantenedor da casa, aquele varão viril, batalhador que faz do seu suor o sustento da casa. Coisas assim, valorosas, de valor mesmo e que a gente gosta de lembrar de vez em quando.

Falando deles, há outros valores que também permeiam as relações humanas, as relações religiosas para ser mais específico. Falar de religião é discursar, sem dúvida, sobre valores. Valores éticos e morais para começar. Recomendações, proibições, punições, auto-punições, erros, acertos etc. Valores que todo mundo sonha um dia permeiem todas as sociedades. Utopia pura, eu sei. Um dia que todos serão éticos. Uma bela era em que não haverá o mal. Nem o mau! Uma época de amor e apego pelas coisas simples. Um belo dia, o sonho humano anseia, todos seremos homens, mulheres e crianças de valores elevados.

Mas há outros valores quando o assunto é religião. E aí os valores contam-se na moeda corrente do país. Dólar, Euro ou Real, não importa, os valores éticos são substituídos pelos valores do capital. Vale quem angariar mais dinheiro. Vale quem conseguir transformar este capital em mais dinheiro. Para conseguir mais poder através da aquisição de meios de comunicação, a tão famosa mídia.

Aí fica fácil a manipulação da opinião. Eu roubo, tu roubas, eles roubam e vós ofertais. Ofertais para manter a roubalheira. Ofertais para manter viagens internacionais enquanto o bom e velho dizimista tira 46,5 de seu salário mínimo para pagar o caviar do pastor.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Como Coca e Pepsi

Um dia, voltando do trabalho, desci a escada rolante (para muitos é volante) e dei de cara com um sujeito vestido de alguma coisa entre Michael Jackson e Wolverine. Outro dia, fazendo o mesmo caminho, dei de cara com o mesmo sujeito, novamente caracterizado da mesma coisa. Alguma figura que não era ele próprio, era outro, ou outros. Fiquei pensando (gosto de fazer isso de vez em quando).

Fiquei pensando que as pessoas gostam de não ser elas mesmas. Eu ser eu e você ser você parece um tanto chato, sem brilho, falta energia, falta o glamour das telinhas e das telonas, o charme das revistas de fofoca, a notoriedade dos jornais.

Ser apenas nós mesmos não é pra todo mundo não. Não são todos que aguentam. O papel de nós mesmos cansa, ninguém nos vê, não somos percebidos apesar do tremendo esforço para aparecer. Ser nós mesmos nos faz sentar na cadeira do anonimato, nos coloca no cantinho escuro, frio e sem graça do comum, o lugar comum feito para gente comum. Aliás, de repente não são os lugares comuns que foram feitos para pessoas comuns, mas pessoas comuns é que deixam os lugares comuns. Acho que é isso.

Bem, o Michael-Wolverine do final da escada rolante (volante!) me deixou pensativo sobre o grande esforço que muitas pessoas fazem para sair - tentar, pelo menos - do lugar comum na tentativa de ser - ou tentar ser - pessoas menos comuns. É aquele tipo de comportamento de multidão que leva todo mundo a fazer alguma coisa meio sem sentido só porque todo mundo está fazendo. É como sair pelas ruas gritando "Diretas Já!" sem saber bem o que tal reivindicação reivindica ; sem saber mesmo o que é reinvidicação e para que serve uma. Fiquei pensativo sobre o rei do pop (que a eternidade o tenha) ou o Wolverine, ali, os dois juntos, fundidos em uma só pessoa comum... pegando trenzão com vale transporte, o famoso "VT". Porque VT é coisa de gente comum. VT, VA e hora extra, tudo coisa de gente comum.

Tem cabimento o Michael Jackson em pleno horário de pico na Estação da Luz, todo estiloso, pegando o ferrão pago com benefício de proletário e dirigindo-se para uma casinha sem reboco externo da periferia de uma cidade de terceiro mundo? (Especialistas dizem que não é mais terceiro mundo. Dizem porque não conhecem Itaim Paulista ou Jardim Ângela).

Não. Não tem cabimento uma pessoa não-comum fazendo coisa de gente comum. Os imortais não-comuns que são as estrelas da música, do cinema ou da política são imitados na forma de falar, no gestual, na roupa e até no jeito de andar. Só que pára por aí e a vida continua. A vida do comum e a vida do não-comum separam-se indefinida e eternamente como que duas linhas perpendiculares, cada uma seguindo seu caminho. Um dia se encontraram na fantasia de quem copia por uma ânsia qualquer de ser quem nunca poderá ser de verdade, mas jamais se encontrarão, como Coca e Pepsi.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Joguei a toalha

No mundo das lutas jogar a toalha significa desistir de uma luta.

Todo mundo tem medo de alguma coisa. E tem gente que tem medo de algumas coisas. E há tantas outras pessoas que têm medo de várias coisas. E muitas pessoas têm pavor de uma ou outra coisa.

Eu tenho pavor de baratas.

Vai, ri com vontade, não tem problema. Decidi não ter mais vergonha de ter medo de barata. Acho que preciso fazer terapia. Talvez encontre as raízes dessa fobia no longínquo de minha infância lá na Penha quando morávamos em uma casa infestada de baratas. O banheiro vivia forrado delas. Qual a casa em uma cidade grande que não tem baratas? Lembra da estatística dos ratos? Quinze ratos para cada habitante, cerca de 230 milhões desses pequenos roedores (alguns não tão pequenos assim, botariam pra correr o Brutus, o Rottweiller da minha irmã).

Um dia, há cerca de cinco anos, vi uma barata na parede. Os cabelos do corpo eriçaram, o coração disparou, passei do branco para o azul, o verde, o amarelo, virei um arco-íris. Era enorme! Talvez pesasse meio quilo. Era tudo o que meu cérebro aflito dizia naquele momento, "é um monstro, foge!" Fiquei olhando para ela, ela olhando para o nada, não queria me encarar. Um observador de fora não distinguiria qual dos dois tinha mais medo. Mas não fugi. Tem horas que um homem tem que enfrentar seus medos, encará-los de frente (isso é pleonasmo).

Pensando racionalmente (outro pleonasmo) decidi que estava mais que na hora de pôr um fim naquele, segundo o Aurélio, "sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça..." Perigo real! Que vergonha! Eu, 95 kg, metade só de músculos, encarando um ortóptero onívoro, cujo maior mal que poderia me fazer já me fazia - fazer passar uma vergonha brutal. Dizem na Psicologia que o medo tem que ser enfrentado, estudado. Um filme de artes marciais dava a seguinte dica: você sente frio, sente fome, sente sede, você sente medo... controle o sentimento e o medo desaparecerá, ele não tem razão de ser. Falei com uma psicóloga sobre esse medo uma vez. Ela riu.

Falei para a cascuda (não a psicóloga) que eu não precisava ter medo dela. Fiquei ali, olhando suas patas, suas asas, as antenas, as garras nas patas que servem para subir nas coisas (na gente...)

Joguei a toalha.

O que é um medinho de barata com tanta gente por aí com medo de dirigir...

Corta as mitigações: o problema da educação é berço.

Depois de alguns meses voltamos a trocar e-mails. A galera da turma de História da Unicsul voltou com a corda toda. Convites para aniversários, chamadas para a virada cultural, desabafos, lamentações sobre a morte de Michael Jackson, um que arrumou emprego, outro que viu de perto os enfrentamentos na greve da USP. Desde que a cambada se formou não víamos tanta produção textual. E na produção textual levantou-se uma questão que me chamou a atenção - novamente.

A questão veio no e-mail onde o Paulo anunciava à trupe de licenciados em História a alegria que era passar em um concurso da Prefeitura. O Paulo sempre foi meio caxias, meio cdf, o bonzinho da turma. Gostava de fazer os trabalhos com ele, a gente se entendia bem. Vez ou outra eu fazia uma parte voltada para tecnologia e ele fazia início e fim. E assim conseguimos um elogio do (como era mesmo o nome daquele professor?), bem deixa pra lá.

Mas a questão (voltando à questão) é que eu disse ao Paulo estar meio sem palavras, meio desprovido de minha habitual prolixidade, sem ter o que dizer. E disse duas coisas que me vieram à cabeça. A primeira delas era simplesmente tecer elogios aos esforços do Paulo. Passar em concurso não é fácil, mano véio! A segunda era lamentar que professores formados em um bom curso de História estejam, hoje, jorrando seus talentos (isso mesmo, jorrando) para fora da bacia. Calma, não me interpretem mal, eu explico.

Explicação:

Não tá dando pra dar aula, nem a pau!

Pode vir com aquele papo imbecil de mudar a cabeça deles, fazer com que eles enxerguem e aprendam responsabilidades, ajudar a construir saberes e blá blá blá, milhões de blás.

Guardem o blá blá blá para suas hipocrisias paranóicas porque só quem foi peitado dentro de sala de aula por marmanjo traficante de drogas sabe o quanto é perigoso colocar o valioso esqueleto naquele ambiente hostil (nem a savana africana é tão hostil, nem o Afeganistão). O histórico é o seguinte: depredação do patrimônio público, depredação do nariz do professor, depredação da saúde alheia e tome depredações. E tome, ainda, palavrões, ameaças, desaforos, intrigas e desmandos. As direções de escolas não podem fazer nada. E quando podem ficam do lado do infrator. Professor bom é aquele que abaixa a cabeça para os xingamentos do aluno e para a arbitrariedade do diretor. Esse é o professor bom. Bom e trouxa.

Qual a saída para a educação então? Talvez a saída seja o que faço em casa. Eu converso com meus filhos, brinco com eles, dou carinho, imponho limites, exijo respeito, respeito-os, dou tarefas de casa, dou algumas coisa que querem, nego tantas outras, explico a realidade de forma crua. Tudo isso sem um tapa sequer, um puxão de orelhas (abomino puxar orelha - só pode no aniversário e bem devagar, com bolo e refri). Fui criado assim também. E não trafiquei, não xinguei professor, não depredei patrimônio público nem nariz de professora. Tinha minhas rusgas? Tinha lá, sim, minhas rusgas, mas foram tão poucas e tão educadas que seriam dignas de um lorde inglês comparadas às atrocidades, devastações, vandalismos e assolações promovidas pelas turbas de "alunos", famosas no noticiário nacional.

E sabe porquê? Porque tive berço.

Cresci um bom aluno porque tive berço.

sábado, 27 de junho de 2009

Quando a morte pode ser generosa

Esta é uma singela contribuição do meu grande amigo da faculdade, o Paulo. Graaande Paulo...

Sempre que um ente querido morre questionamos sobre o sentido da vida, a razão pela qual vivemos, lutamos, sofremos, choramos, trabalhamos. Fazemos uma auto avaliação de nossas vidas e procuramos mudar o que está errado. “Para que nos enervarmos, brigarmos, avançarmos o sinal vermelho, ultrapassar na contramão, pressa, todas as neuroses do dia a dia, para quê? Para tudo acabar desse jeito?” Mas isso dura pouco, sem perceber passamos a cometer os mesmos erros, a vida continua, não há tempo a perder.
A morte, companheira inseparável do ser vivo é encarada como algo ruim, frio, cruel e injusto. E assim o é para nós, pobres mortais, que fatalmente passamos pela vida sem deixar vestígios, nada além de uma pequena lápide. Sentiremos saudades dos entes que partiram, deixaremos saudades aos que ficarão, mas poucos lembrarão de nós. Assim deviam pensar os faraós do Antigo Egito. Sabiam que a vida mundana seria passageira, medíocre, frágil, então construíam enormes templos post mortem para que permanecessem vivos, para que todas gerações futuras tivessem ciência de seu poder, de sua força, e os temessem.
Mas a morte pode ser generosa, sim. E assim ela o é para com os ídolos, transformam-nos em mitos, fazendo com que vivam para sempre. E os mitos são perfeitos, sem falhas, e nada melhor para um mito que estes permaneçam assim.
E assim foi com o “ídolo” Michael Jackson. “O Rei do Pop”, o artista que revolucionou o show business mundial, que estabeleceu o “AM/DM” da era do vídeo clipe, e talvez o último a vender 100 milhões de cópias de um único álbum (a palavra 'álbum' pode soar estranha para as gerações mais novas), um artista completo, ao mesmo tempo um ser humano frágil, uma criança adulta, um adulto infante. Para seus fãs, o ídolo permanecerá dessa forma: completo, controverso, intacto, livre de suas fraquezas materiais, das aflições da vida comum, mas ao mesmo tempo, uma incógnita. A mesma incógnita que pairará sobre o seu retorno aos palcos. Sucesso? Fracasso?
Como faraós modernos, esses mitos constroem suas pirâmides, pirâmides essas em forma de livros, discos, quadros, conquistas, medalhas. Dentro dessas pirâmides estarão imortalizados para todo o sempre, permanecerão vivos na memória das gerações futuras.
Se a morte cruel, fria, injusta, levou embora o ser humano Michael Joseph Jackson, a morte generosa levou o artista Michael Jackson, antes de termos a oportunidade de ver o seu possível fracasso, de descobrirmos que o ídolo havia se despedaçado.

RIP, Michael